A pandemia que estamos vivendo escancara nossa crise civilizatória. Os sintomas já estavam por aí faz algum tempo em comportamentos e cenários desequilibrados. Nas ruas pessoas dirigindo como loucas, correndo para chegar a lugar nenhum; a manifestação das mais diversas doenças auto-imunes, degenerativas etc; carência de relações verdadeiras e a “viver no celular” ou “no face”; falta de ética e de valores; violência e “medo do diferente”; dedicação de tempo livre para assistir programas de televisão que nem consigo encontrar palavras para descrever. Esses e muitos outros comportamentos me lembram da produção cinematográfica Matrix, onde a manipulação e o medo permeiam o enredo.
É fácil perceber que grande parte das pessoas não estão felizes na “matrix”. Referências científicas mostram a depressão como o mal do século. Mas nem vou enveredar por essa linha nos diversos males e doenças psíquicas, pois daria um capítulo à parte.
Também é simples perceber que a Terra vive uma situação de desequilíbrio sistêmico, devido a nossa forma de vida. Esse cenário já foi abordado em outras postagens como “Mais amor, menos melindres, por favor”, “Economia Feminina”, “Permacultura e Sociedade”.
Agora, vem o Coronavirus sacudindo todas as estruturas e agudizando a necessidade de mudanças profundas, repensar a concentração das populações nas cidades entre outros aspectos. Assim, neste artigo queremos focar na tão necessária transição para uma vida em harmonia com nossa alma e, dessa forma, em harmonia com as demais pessoas e com a Terra. Acredito que essa reconexão é possível e urgente. E posso dizer acreditamos, em nome da Comunidade-Escola Nós na Teia, pois essa é a síntese de nossa missão enquanto coletivo: vivermos a transição a partir da Permacultura e apoiar outras pessoas nessa transição. Humildemente queremos contribuir para que mais e mais pessoas possam sair da “matrix”.
A luz no final do túnel
Desenvolvemos a Permacultura como um caminho seguro para a transição por sua atuação sistêmica, que integra todas as áreas essenciais para o bem-viver humano e tem como base a ética do cuidado (com as pessoas e com a Terra). Além de contemplar o estabelecimento de valores para essa cultura de permanência em harmonia com o meio, a Permacultura oferece um caminho muito prático com a metodologia de design de assentamentos humanos sustentáveis.
Em seu aspecto mais conhecido – ecológico, a Permacultura proporciona um profundo sentido de conexão com a Terra e de integração positiva na Teia da Vida. Aprender a plantar, construir uma casa, cuidar das águas, desenvolver solo fértil…
Há, ainda, uma área talvez menos conhecida da Permacultura a qual denominamos Permacultura e Sociedade (ou Estruturas Invisíveis) por tratar de relações sociais. Aqui no Sítio Nós na Teia defendemos que trabalhar essa área é tão urgente quanto trabalhar a dimensão ecológica (mas cuidando de nunca despriorizar essa última). Afinal, conforme abordamos no artigo Permacultura e Sociedade: “Somos seres sociais, que se desenvolvem na vida em sociedade. Na atualidade a busca da individualidade acabou deixando de lado o nosso sentir-nos parte de uma família, de uma tribo, de uma nação, ou do que seja. Defendemos que para o desenvolvimento pleno do ser humano, precisamos aprofundar vínculos no sentido de resgatar a “familiaridade”, o sentir-se parte de um grupo, de ser querido e contribuir positivamente em uma COMUNIDADE. Crescer em um ambiente fraterno de respeito e apoio mútuo dá suporte ao desenvolvimento de indivíduos éticos, cooperativos e emocionalmente saudáveis.
Em grupo unimos esforços, saberes, habilidades, recursos. Além disso, a vida no coletivo é mais divertida e plena de sentido. Assim, para nós, a luz ao final do túnel fica mais forte e próxima quando seguimos a trilha da Permacultura em um contexto de vida em coletivo. Esse é o caminho que temos adotado no Sítio Nós na Teia, com a proposta de Comunidade-Escola de Permacultura.
Desafios para a transição
Contudo, não é simples seguir esse caminho, pois envolve adotar uma contra-cultura; um caminho que é contrário ao fluxo comum da sociedade e que apresenta seus desafios.
O desafio começa com a decisão de sair do padrão. Muitas pessoas ignoram que a transição, como o próprio nome indica, é um processo; e saem logo “chutando o balde”. Acho importante frisar que consideramos que a transição precisa ser uma atitude consciente, bem embasada e com uma caminhada especial para cada pessoa. Na minha experiência pessoal e como educadora na Permacultura já vi muitos casos de pessoas desiludidas ou em grande stress com a vida na matrix (até aí perfeitamente compreensível!) que simplesmente se demitem e saem por aí em busca da “ecovila perfeita”. Infelizmente muitas se frustram e acabam ainda mais desiludidas.
Assim, vamos conversar um pouquinho sobre essas expectativas e necessidades para uma transição mais harmônica e consciente.
Para início de conversa “ecovila perfeita” está mais para conto de fadas do que para realidade. Afinal, quantas pessoas perfeitas você conhece? Ecovilas são feitas por pessoas e quanto mais conscientes essas pessoas estiverem mais tranquilo será o caminho. Se por outro lado, for um grupo de pessoas desajustadas, em crises pessoais diversas, a probabilidade do sonho se transformar em pesadelo é grande…
Vamos analisar com cuidado alguns padrões de comportamentos, nessa perspectiva de “chutar o balde”, bastante comuns e tentar passar algumas dicas, que espero possam contribuir de alguma forma para suas reflexões.
- Não gosto do meu trabalho, vou me demitir!
Beleza, observação importante para avançar rumo a um caminho de realização pessoal. Contudo, você já sabe qual trabalho gostaria de realizar? Já percebeu suas vocações? Investiu em desenvolver suas habilidades/vocações? Qual a viabilidade para essa transição no momento?
Aqui, trago a sugestão de foco em mapear e desenvolver suas habilidades/vocações. Esse mapeamento normalmente demanda investimentos em cursos ou outros recursos. Assim, analise se pode utilizar sua fonte atual de renda para investir na transição até poder migrar totalmente. De qualquer forma, o mais importante é definir possibilidades de trabalho e renda onde você possa exercer suas vocações onde quer que você esteja.
- Não preciso de dinheiro, posso me virar sem!
Adoraria acreditar nisso, mas infelizmente acho bem distante da realidade. Vivemos em uma sociedade capitalista periférica, um país do terceiro mundo. Ou seja, nada favorável. Mesmo se você fosse um excelente Permacultor, com terra, produção de alimentos, de energia etc, ainda assim precisaria comprar muitas coisas e principalmente se relacionar com a sociedade (ainda pautada no dinheiro). E, acredite, ter um Sítio demanda MUITOS investimentos.
Aproveite essa postura na busca por uma vida simples e tente reduzir ao máximo sua necessidade de dinheiro. Nesta perspectiva a Permacultura pode te trazer excelentes soluções e tecnologias para você aprender a suprir, ainda que parcialmente, suas necessidades básicas de alimentação, moradia, água, energia, saúde etc. A mudança para cidades do interior também é uma excelente estratégia de redução de gastos rumo a uma vida mais simples.
- Eu posso trocar meu trabalho por hospedagem e alimento e sair por aí…
Sim, há alguns lugares onde isso é possível. Contudo, reafirmo que de alguma forma há custos e alguém precisará pagar contas, especialmente no terceiro mundo, onde tudo é mais caro e sem subsídios. Então, para a conta fechar o seu trabalho precisa realmente ser muito útil e estar equilibrando a balança financeira do local. Senão estará apenas buscando por alguém que te sustente, certo? No mundo das comunidades esse é um padrão já conhecido – o de pessoas que querem sair de casa, mas encontrar uma “mãe” ou “pai” que os adote.
Não estou afirmando que todas as pessoas que focam em trocas de trabalho voluntário têm esse perfil. Acredito na importância das redes de trabalho voluntário no sentido de estágios, vivências temporárias. Podem ser muito úteis como estratégias temporárias, quando você já está em um caminho definido e busca se aprimorar ou mesmo se está confirmando possibilidades de atuação e testando vocação.
Nesse sentido, é certamente muito útil visitar lugares, conhecer pessoas que trilharam caminhos na direção que você almeja e aprender com seus acertos e principalmente com seus erros.
O que acho delicado é a crença de que se pode viver assim ou que o dinheiro é algo ruim. Se você tiver recursos poderá transitar muito mais facilmente por lugares que vivem a transição, sem trazer mais um desafio financeiro para eles. Pelo contrário, contribuindo para que o fortalecimento seja mútuo.
Há alguns anos busco desenvolver sistemas monetários complementares como moedas sociais, feiras de trocas etc. Essas tecnologias certamente ajudam e são muito uteis, mas são COMPLEMENTARES.
Bem, está até parecendo que não estou ajudando a fomentar a transição, não é mesmo? Muito pelo contrário, considero que nossa cultura precisa de uma transição radical. Mas, precisamos de uma transição madura, efetiva, saudável. E por já ter alguma experiência trabalhando nesse caminho acho importante compartilhar esses alertas e dicas. Então, para finalizar gostaria de deixar mais duas sugestões que considero serem pilares para a transição. Trabalhe o equilíbrio das emoções e a comunicação. Seu sucesso na jornada dependerá, em grande parte, de seu processo sincero de aperfeiçoamento pessoal e de saber estabelecer relações empáticas, equilibradas e cooperativas com os demais. Infelizmente são habilidades e competências pouco presentes na sociedade atual e por isso ausentes na maior parte das escolas e mesmo formação familiar. Esta evolução esta diretamente relacionada à segunda dica de busca por parceiros de caminhada, ou seja, esteja entre pessoas que te compreendem e com propósitos comuns. Assim, você terá redes de apoio para evoluir em muitos aspectos, inclusive emocionalmente frente aos obstáculos da transição.
Independentemente do caminho escolhido desejo muita clareza, consciência, amorosidade e harmonia!
Parabéns pelo trabalho!
Desejo-lhes sucesso.
Gratidão, atualmente estamos mais parados por aqui. A comunicação acabou migrando para Instagram @nosnateia.