Neste artigo, ainda que humildemente, buscamos trazer ideias para assentamentos humanos com designs sociais potencializadores de vida em comunidade, considerando o cuidado com a terra; cuidado com as pessoas e partilha justa dos excedentes – ambiente, sociedade e economia.
* Texto de Suzana Maringoni e Mônica Carapeços Arriada
No caminho das vilas: de dentro para fora ou de fora para dentro
No livro Localizando o desenvolvimento: o local e a tradição na busca da sustentabilidade (Borba e Costa Gomes, EMATER, 1998), os autores propõem uma reflexão sobre “o local do desenvolvimento”, como um foco de desenvolvimento socialmente justo, ambientalmente responsável. Apontam ações biorregionais existentes em cidades pequenas que possibilitam o ecodesenvolvimento. Isto é muito interessante para permacultores buscando iniciar a caminhada e sair de grandes centros urbanos. Esta migração pode ser inserindo-se nestas cidades ou em terrenos da periferia, ou pequenos sítios próximos a estas zonas urbanas. Esta inserção na comunidade e nos seus processos locais, com humildade de aprender, ouvir, dialogar e buscar construir em parcerias com as pessoas nativas gera uma nova perspectiva, tanto para quem chega, quanto para aqueles que já estão lá. Acrescentar trabalhos e soluções, construir espaços ecológicos, complementar iniciativas, fomentar arte e cultura local são contribuições importantes que as pessoas podem trazer para gerar uma maior estabilidade do sistema humano. Esta é absolutamente uma forma ética e sustentável de desenvolver comunidades.
Defendemos essa ideia de migração para pequenas cidades do interior pois acreditamos que é preciso “descentralizar”. Hoje no Brasil a maioria das pessoas vive nas grandes cidades, com todos os problemas que esta concentração de pessoas gera, problemas sócio-economicos-culturais e ambientais. E se não fosse assim? Como dissemos antes, são 5037 cidades com até 50.000 habitantes no país, disponíveis para acolher novos habitantes, e com muitos dos aspectos de uma cittaslow – movimento criado em pequenas cidades da Itália para manter a qualidade de vida evitando ritmos acelerados.
Por outro lado também compreendemos que esse processo não é simples, para grande parte da população que já se encontra com raízes nas grandes cidades. Nem viável de ocorrer em pouco tempo. Assim, outra possibilidade de atuação é trazer a inspiração das vilas e comunidades tradicionais para dentro das grandes cidades, fomentando que uma vizinhança ou bairro atue como uma “vila”. Neste fio lógico as experiências do movimento Transition Towns (Cidades em Transição) são bastante inspiradoras. Veja mais em: http://transitionnetwork.org/resources/essential-guide-transition/.
Comunidades Intencionais e Ecovilas: laboratórios de sociedade alternativa
Uma possibilidade, talvez um pouco mais audaciosa, seja o caminho de lançar-se na criação de uma Ecovila ou Comunidade Intencional. Apesar de o termo ser recente (discutido e lançado mundialmente em 1995, em um encontro histórico realizado na Fundação Findhorn, na Escócia – http://www.jrrio.com.br/construcao-sustentavel/ecovila-historia.html) suas origens se conectam com os movimentos emancipatórios dos anos 60/70 que:
desenvolveram novos projetos, incitaram novas idéias, experimentaram novos estilos, agiram politicamente, tomando para si a responsabilidade diante de um mundo visto como cativo e decadente. Tiveram maior repercussão entre jovens burgueses das grandes cidades, mas não se deteve aí. Estenderam-se pelas sociedades da época em ações coletivas e pessoais que, apesar de diversas entre si, buscavam transformações radicais na sociedade hegemônica: pacifismo, feminismo, ecologismo, movimento negro, Hippies, novo espiritualismo, nova esquerda, direitos dos cidadãos, novo psicologismo, revolução corporal-sexual, etc (http://evolucaocriadora.blogspot.com.br/2011/03/ecovilas-e-comunidades-intencionais.html).
Contudo, cabe lembrar, que ao tratarmos de fenômenos sociais é preciso cautela para evitar “encaixotar” ou generalizar fenômenos. Certamente há padrões de semelhanças que podem nos ajudar na reflexão sobre a evolução do movimento atual de Ecovilas. Por exemplo, a análise do “estereótipo” hippie, que busca paz e amor com uma postura de rompimento por vezes extremada com a sociedade. Nos anos 70 grande parte dessas pessoas abusaram de vícios e prazeres para liberar as tensões. Esse perfil, um tanto irresponsável de desconexão não é coerente com o movimento atual de ecovilas. Hoje há diversas metodologias sociais para apoiar grupos e evitar conflitos e comportamentos desestruturadores no grupo, bem como fomentar integração positiva com população local. Temos hoje referências que facilitam enormemente novos grupos em seu amadurecimento na intenção, saberes e consciência dos processos sociais. Outra evolução se refere à organização mundial desse movimento em forma de rede, para o fortalecimento e apoio mútuo.
As comunidades intencionais, nascem quando um grupo de pessoas decide viver e desenvolver juntos um estilo de vida ou propósito comum. Ou seja, há uma intenção e valores comuns (ou “cola”) que reúne o grupo. Como o nome indica, a cola envolve aspectos ecológicos, mas costuma integrar ainda outras afinidades espirituais, terapêuticas, profissionais, etc. O mais comum é que esses grupos se organizem a partir do zero em uma determinada área, que pode ser adquirida pelo coletivo para esse fim e organizam juntos acordos e processos de autogestão. Há diversas possibilidades para a organização de comunidades intencionais. Diana Leafe Christian em seu livro Creating a Life Together: Ecovillages and Intentional Communities (p. 22) sintetiza as experiências diferenciando a partir de:
- Espaço – Propriedade ou casa:
- Comprar ou alugar algumas casas na mesma quadra e compartilhar os quintais; transformar uma das casas em uma casa coletiva;
- Comprar ou alugar uma casa grande e transformar alguns dos quartos em áreas comuns;
- Alugar apartamentos em um prédio; transformar um dos apartamentos em um espaço comum;
- Comprar um prédio (ou várias casas de unidades planejadas ou condomínio) e fazer o mesmo;
- Comprar terra com casa ou casas existentes (podendo ter estruturas como escritório, loja, fábrica, teatro etc) e transformá-la em terra comum;
- Comprar um centro de eventos ou camping e fazer o mesmo;
- Comprar terra sem construções e começar do zero.
- Propriedade
- A comunidade para ser dona de toda a propriedade e ceder casas ou áreas para casas aos membros do grupo;
- Membros podem ter propriedade individual de casas ou lotes e compartilhar propriedade de áreas e construções coletivas;
No Brasil, não há a forma jurídica “Comunidade Intencional” ou “Ecovila”. Assim, as propostas buscam possibilidades legais para a ocupação da terra. Algumas opções que temos observado são: i) escritura coletiva, com os percentuais em nome dos integrantes do projeto; ii) condomínio coletivo, onde a terra está em percentuais, havendo marcação e reconhecimento das áreas privativas de cada um, e as áreas coletivas são geridas por todos; iii) Constituir uma cooperativa/associação, dona do terreno, e todos os participantes se integram à mesma. Desta forma, tudo que é construído pertence à associação.
3. Grau de proximidade
1. Membros da comunidade podem ter uma relação de grande envolvimento uns com os outros – compartilhando áreas de lazer e cozinhas, vivendo bem próximos, partilhando equipamentos e ferramentas ou tendo um carro coletivo;
2. Membros podem ter menor envolvimento – vivendo em unidades separadas de casas no mesmo lote ou em lotes diferentes e ter menos recursos partilhados.
4. Grau de independência financeira
1. Membros da comunidade podem trabalhar em negócios na própria comunidade (e/ou em negócios externos), compartilhar renda e fundo coletivo.
2. O grupo pode ter uma economia hibrida – trabalhando em negócios para a comunidade e compartilhando lucro para compra de alimentos, seguro médico e outras necessidades, mas mantendo suas finanças pessoais separadamente.
3. Membros têm renda totalmente independente da comunidade e partilham algumas despesas.
Cada uma das propostas tem prós e contras, relembramos de que aqui listamos possibilidades, que deverão ser conversadas, criadas, acertadas entre os participantes de cada projeto. Nesse sentido, sugerimos que o grupo, na medida do possível, visite ou pesquise outras experiências. Seguem algumas referências, mas é sempre importante fazer suas próprias buscas, especialmente regional.
- Artigo Unidos pela Natureza: Ecovilas atraem público interessado em uma rotina sustentável e de intenso contato com o verde. Revista Veja Brasília, 2014. Disponível online: http://vejabrasilia.abril.com.br/materia/cidade/unidos-pela-natureza/
- Site Ecovilas Brasil: http://www.ecovilasbrasil.com.br/
Projeto que visitou 10 ecovilas no Brasil para a produção de um documentário. - Site da Rede Mundial de Ecovilas: https://ecovillage.org/
- Filme Demain (Tomorrow/Amanhã): https://www.demain-lefilm.com/en/film
Apresenta propostas inspiradoras, com viés comunitário para se lidar com a conjuntura de crises da atualidade, especialmente ambiental e energética (pico do petróleo).
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Veja artigos sobre a trajetória da Comunidade-Escola de Permacultura Nós na Teia: – Comunidade escola – 1998 a 2011: Contextualização da proposta coletiva. – Comunidade-escola 2015-2016: novos ciclos e aceitação da transitoriedade dos processos |