Por Suzana Maringoni e Mônica Carapeços Arriada
Nós, humanos, vivemos em sociedades inseridas em diferentes contextos, ambientes e culturas. Os laços que regulam as relações, sejam elas econômicas, afetivas, sociais, funcionais, no contexto da permacultura, são chamadas de estruturas invisíveis. Essa denominação refere-se ao fato de que são temas mais subjetivos, no âmbito de relações, fluxos sociais, que permeiam todo o Curso de Design em Permacultura – PDC, como um tema transversal. Ou seja, apesar de ser um tema central para uma mudança de cultura, aparece de forma pouco “visível” ao longo das discussões dos demais assuntos do curso.
Fácil perceber a abrangência e complexidade do tema ao refletirmos sobre o próprio conceito de SOCIEDADE. De maneira ampla podemos considerar que é a forma de determinado grupo humano se organizar, ou seja, é a organização humana com suas diferenças sócio-histórico-culturais. Quem faz a sociedade somos todos e cada um de nós, em cada escolha que fazemos, com virtudes e problemas, com ações cooperativas e competitivas, com comunicação às vezes incrivelmente fluida, e em outros momentos, bastante truncada.
Somos seres sociais, que se desenvolvem na vida em sociedade. Na atualidade a busca da individualidade acabou deixando de lado o nosso sentir-se parte, de uma família, de uma tribo, de uma nação, ou do que seja. Defendemos que para o desenvolvimento pleno do ser humano, precisamos aprofundar vínculos no sentido de resgatar a “familiaridade”, o sentir-se parte de um grupo, de ser querido e contribuir positivamente em uma COMUNIDADE. Crescer em um ambiente fraterno de respeito e apoio mútuo dá suporte ao desenvolvimento de indivíduos éticos, cooperativos e emocionalmente saudáveis.
Cabe salientar que Sociedade e Comunidade são termos tão complexos quanto o próprio ser humano. Sociólogos, antropólogos, cientistas sociais, psicólogos sociais etc se aventuram na busca de sentidos para essas palavras. E, para além destas áreas mais diretamente vinculadas ao assunto, podemos ainda citar especificidades do termo em pesquisas de filósofos das tecnologias, que buscam a compreensão das Comunidades Virtuais. Ou seja, há inúmeras abordagens que não nos cabe aqui analisar. Para fins das reflexões que nos propomos, adotaremos uma diferenciação bastante ampla e simplificada destes termos onde comunidades indicam uma aglutinação com relações mais conectadas e próximas entre os indivíduos. É esta conexão próxima, em redes cooperativas e solidárias que almejamos e que trataremos neste artigo.
Um milhão de vilas!
Em uma entrevista a revista Permacultures, Mollison afirmou que “com a Permacultura podemos substituir as nações-estado por um milhão de vilas”. Esta afirmação nos instiga a refletir sobre diferentes aspectos e tipos de comunidades rumo a uma cultura de Permanência. A afirmação de que comunidades sustentáveis dependem de assentamentos humanos menores também é pauta do documento do Clube de Roma, em 1972, que aponta bases para o ecodesenvolvimento. Neste documento aparece o número de 50.000 habitantes como uma proposta a cidades sustentáveis. Hoje no Brasil dos 5561 municípios existentes, temos 5037 municípios com menos de 50.000 habitantes (IBGE, 2010).
Em primeiro lugar, podemos observar a necessidade de reduzir a escala. Nossas megalópoles definitivamente não são sustentáveis! E um dado a ser observado é que nos países em desenvolvimento, as megalópoles são o “símbolo do progresso”, enquanto em muitos países mais desenvolvidos, o modelo de mega cidades não ocorreu. Difícil quantificar um número ideal de habitantes para uma comunidade. Mas consideramos pertinente considerar um número que possibilite relações de proximidade e participação efetiva em processos de governança. Em pequenas populações também é mais simples adotar soluções sustentáveis de infraestrutura, energia, gestão hídrica e de resíduos, de mobilidade etc, veja os exemplos das cittaslow (cittaslow.org), vinda do movimento slow food, e ampliado para modelos de cidades na Itália. Por outro lado, a sustentabilidade depende de certa diversidade de habilidades, profissões e recursos. Nesse sentido, a afirmação nos lembra ainda a importância de pensarmos em múltiplos níveis ou em rede. Cada vila pode ter muitas vocações e possibilidades de recursos. Mas há limites. A sustentabilidade estará conectada a uma tessitura maior que o nível local.
David Holmgren em seu livro “Princípios da Permacultura, Caminhos e Princípios para além da Sustentabilidade” propõe como norteamento para construir novas estruturas ações em nível de políticas locais e biorregionais; fecundação cruzada incrementando a diversidade cultural; acessibilidade e baixa dependência de tecnologias caras. Ele propõe o seguinte esquema de zonas e setores para uma análise social (Via Sapiens 2013, pag 276) .
E diz que “ da mesma maneira que o design permacultural de propriedades ajudou pessoas a dar sentido ao seu local e melhorar suas decisões de design, essa meta análise pode ser útil para ajudar as pessoas a compreender melhor seu mundo e agir tanto para elas mesmas, como para o futuro”.
Surge aqui outro conceito central em nossa discussão – Biorregião. Na perspectiva da Permacultura é essencial a compreensão do sistema ecológico onde estamos inseridos. Uma biorregião integra um ambiente definido por determinadas características de clima, relevo, solo, plantas, animais, bacia hidrográfica. A cultura da população de uma determinada biorregião é, ou deveria ser, fortemente marcada pelos elementos naturais disponíveis à vida naquele espaço. Percebemos isso claramente com povos tradicionais em seus hábitos alimentares, remédios, estilo de habitações, produção agrícola, artesanato, arte etc. Ou seja, seguindo uma ética permacultural, o AMBIENTE é o grande norteador da sociedade. Ele dita as possibilidades e os limites de vida, como mostra a ilustração.
Esta discussão não é nova, nem invenção de permacultores. Ela segue o que foi publicado pelo Clube de Roma em 1968, que cunhou o termo Ecodesenvolvimento para se referir a ações ambientalmente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis.
Entretanto, essa lógica continua esquecida em nossa sociedade moderna que subverte princípios naturais e prioriza a Economia como aspecto norteador. A economia dita a política, afetando a vida de todos a partir de critérios “financeiros”, “de mercado”, etc, o que resulta em inversões de prioridades. Podemos perceber com clareza os problemas dessa inversão, na conjuntura de crises que colocam em risco nossa sobrevivência enquanto espécie. Infelizmente, a sociedade moderna como um todo, ainda está contramão da cultura de Permanência que almejamos! Longe de termos soluções, o cenário é de desafios.
Em meio a essa nebulosidade, as reflexões que trouxemos são no sentido de salientar aspectos que podem servir como “faróis” a nos guiar nesse mar bravo. Assim, reforçarmos que “Comunidade” e “Ética da Permacultura” devem iluminar nosso olhar para ver e atuar de forma mais consciente nas estruturas invisíveis.
Por fim, deixamos a reflexão de que assentamentos humanos devem ter designs sociais potencializadores de vida em comunidade, considerando o cuidado com a terra; cuidado com as pessoas e partilha justa dos excedentes – ambiente, sociedade e economia.
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[…] Bem, uma coisa que insistimos em curso, entrevistas e conversas é exatamente este ponto: viva A permacultura. Busque seu lugar, sozinho ou em grupo, inclua-se numa pequena comunidade, ali alguns dos pontos do ser ecológico são mais fáceis e já existem, mas tem muitas opções diferentes, até para aqueles que ainda optam em ficar nas grandes cidades, como relatamos num artigo sobre estruturas invisíveis escrito em parceria com a Mônica Carapeços Arriada e publicado… […]
Muito bom! Um design energeticamente eficiente pode ser projetado em todos os níveis: da casa a comunidade. Assentamentos humanos sustentáveis e design sao palavras chaves.
Agradecemos querida! Seu trabalho de Permacultura também é maravilhoso: http://guiadepermacultura.com.br.
Beijão